MOLEIRA

Um blog sobre o contidiano de um cara a beira de vinte e três horas em volta do sol! Por hora é isso só.

16 dezembro 2006

Contradição
_ Ou, cara.
_ Quê?
_ Quando crescer, eu quero ser igual ele.
_ Porque?
_ Porque ele é diferente.
_ "Eu eim"!

01 dezembro 2006

Boca triste

_ Resisti sem chorar é verdade, mas só pra mamãe e papai ver que eu sou homem forte.
_ ...
_ Nem sei porque isto só acontece comigo, que saco, eu já disse pra mamãe que eu num gosto de estudar, matemática é um saco, aquelas contas num servem pra nada e a professora ainda me chamou de burro, mereceu a borrachada né, e se me chamar eu dou outra né não?!
_ ...
_ Agora só por causa disto eu tenho que ficar aqui, todo mundo brincando e eu aqui, mamãe disse que até as férias acabar eu num saio do apartamento. Pra mim, ninguém devia trabalhar, nem estudar, ia ser bem melhor. Imagina mamãe brincando! Ia ser o máximo, imagina papai rindo, nóóóó, eu ia ri demais, imagina agora a professora rindo em vez de xingar agente, num ia ser legal?
_ ...
_ Ahh! Posso até ver o papai brincando, meu avô disse que quando meu pai era criança ele brincava a beça, saltava papagaio, tem até foto, também subia no pé de goiaba e ria muito, hoje só fica enfiado naquele escritório, ainda tomou meu vídeo game... ... ... será que vídeo game é tão legal quanto soltar papagaio e brincar de “cabaninha”? Será que subir no pé de goiaba é legal?
_ ...
_ Nó! Uma vez na televisão eu vi um “pezão”, eu acho que nem ia conseguir subir, porque os meus colegas me disseram que baleia não sobe em árvore! Mas vamos tentar? Eu conheço uma lá no prédio do lado, é bem grande, tem um monte de galho, aí eu posso te deixar lá e te busco quando aqui for legal, não agüento mais você com esta cara fechada. Desde quando vovô nos apresentou que você ta com esta cara. Vamos?
_ ...

O muro não é facilmente vencido pelo menino, ofegante e todo arranhado pela cerca de arame, sobe na árvore convicto de que ali é o melhor lugar para seu melhor amigo, já que ele andava meio triste e calado.

_ Vou te deixar aqui agora, lá de cima, aonde tem o adesivo na janela eu vou estar te olhando, se você quiser eu te busco ta bom, vê se ri eim, quero mostrar pro vovô que eu sei fazê-lo rir?
_ ...

Já ao voltar para casa encontra com a mãe, furiosa e com um chinelo de borracha na mão.

_ Menino, onde você estava, eu não te deixei de castigo até o final das férias? Ainda é o segundo dia e você já foge, onde você foi? Sabe que lá fora é perigoso?

O menino já acostumado com as chineladas vai andando para quarto, a borracha queima sua pele, mas ele não reagia, a mãe inconformada com a indiferença apresentada pelo filho, pega seu cinto e chama o pai, que, ao ver o menino apanhando, pega a televisão e os bonequinhos e esconde em cima do armário.

_ Pronto, mulher, chega! O moleque já aprendeu, olha as costas dele, ta bom já. Agora vê se não me atrapalha de novo, tenho que entregar tudo amanhã.

Nisto o pai vai para o escritório, a mãe para a cozinha e o moleque fica deitado na cama de costas para cima. As lágrimas desciam freneticamente, as dores consumiam agora até a cabeça, sentia os olhos pesados de tanto chorar, a correiadas proferidas pela mãe, eram novidade para ele na forma de aprendizado. Aos prantos e sem ter com quem conversar, ele liga pro avô:

_ Vô, porque ele não ri?
_ Porque você ta chorando meu filho, cadê seu pai?
_ Porque ele não ri vô?

O avô percebendo a tristeza pelo telefone, tenta amenizar.

_ Ele só ri se você ficar feliz, muito feliz e con...

O menino desliga o telefone e levanta-se vai até a janela vê o seu amigo quase caindo da árvore.

_ Meu Deus! Ele vai cair! Cadê minha lanterninha? Cadê? Ah vai o celular mesmo.

Foi fácil passar pela mãe, na hora da novela não havia coisa no mundo que chamasse a sua atenção, o pai estava trabalhando, do escritório se ouvia alguns gemidos e sussurros, palavras como yes, fuck. Mas o menino nem deu importância, já que era normal ouvir esses barulhos, quase sempre iguais. O muro novamente foi obstáculo, mas passou de tal maneira que nem percebeu como, escondeu-se no matinho para que o segurança não o surpreendesse, na primeira oportunidade, ascendeu o celular e, subiu na árvore, com muita dificuldade, foi até o galho onde seu amigo estava.

_ Me desculpa, eu achei que aqui seria melhor pra você, é que lá em casa ta muito chato, mamãe me bateu, ta doendo tudo, olha aí.

Tirou a camisa para mostrar, e ao jogá-la de lado desequilibrou e tentou se agarrar ao amigo, alcançou a mão, mas este sem firmeza também perdeu o equilíbrio. O celular toca, mas o menino desmaiado não atende, após várias horas, retomada a consciência ele atende.

_ Filho, você fugiu de novo? Você ta merecendo umas palmadas mesmo, onde você ta? Mamãe ta preocupada, já são três da manhã, cadê você?
_ Ai mãe, não consigo andar...
_ O que aconteceu? Onde você está? Com quem? Fala que eu te busco agora.

Ao ver o amigo pendurado em um dos galhos, o celular é deixado de lado, transmitindo a incessante tentativa da mãe por uma resposta qualquer, estende a mão e tenta alcançá-lo, mas está muito além do seu alcance. A mãe coloca o telefone em viva-voz para que os dois, pai e mãe possam tentar falar com o menino, mas eles só escutam ao fundo, o menino falando com uma terceira pessoa.

_ Para de chorar mulher, vamos ouvir com quem que ele está falando.
_ Saci, eu sei que você não gosta lá de casa, porque desde que vovô te deu pra mim, e que eu te trouxe, que você não fala nada nem ri, então vou te devolver pra ele tá!? Num preocupa não, o que eu quero é ver você rir. Mesmo que eu fique sem ninguém para conversar. Não fica preocupado comigo, quando eu crescer, eu vou te pegar e te levar pra um lugar onde ninguém bate em ninguém, onde agente possa subir em qualquer árvore. E até soltar papagaio. Eu te prometo, na terra onde agente for morar não vai ter matemática, e nunca mais agente vai ver mamãe nem papai, ele são muitos chatos, agente vai... vai...

Do viva-voz se percebe que o menino não está bem, voz fraca e engasgadas constantes, o telefone cessa, marido e mulher trocam olhares silenciosos, tentam chamar pelo filho, sem sucesso, o menino não dá sinal algum. Na tarde do dia seguinte, são encontrados: o corpo, o celular e um boneco de madeira e pano, o Saci Pererê, presente de seu avô. Ao entregarem o boneco ao pai, ele percebe que há algo diferente, mas não dá atenção, no velório, o avô desconsolado, chora abraçado ao boneco, não quis ver o neto no caixão. Abraçado ao boneco ele dorme, ao acordar, olha fixamente para o boneco e pergunta ao pai:_ Quem foi que desmanchou a boca triste e esculpiu um sorriso no Saci?