MOLEIRA

Um blog sobre o contidiano de um cara a beira de vinte e três horas em volta do sol! Por hora é isso só.

29 abril 2007

Rumo a eternidade

Aquele momento estava perfeito. Tudo era tão maravilhoso, todos o amavam, não sentia mágoa nem tristeza, não lembrava das diferenças cruéis do mundo, havia esquecido assuntos como o aquecimento global, guerra no oriente, na favela, no senado, plenário e caralho a quatro. Esqueceu da briga de um ano atrás, da qual saiu com um olho roxo e o taco de sinuca na mão perguntando quem o bateu. Esqueceu das ex-amadas vadias, que lhe traíra por mais de duas vezes, pra não falar quatro, pra não falar que perdeu as contas. O trabalho não mais importava, não tinha dividas com amigos, parentes ou coisa parecida, ninguém lhe devia dinheiro ou carinho. Esqueceu de todos os inimigos, não sabia se tinha inimigos. Sua família estava bem, estabilizada, não havia com o que se preocupar, seus pais já não estavam presentes a não ser em fotos, então ninguém morreria por conta dele, muitos talvez o amassem, mas não o bastante para depender de sua presença física. A bicicleta estava em perfeitas condições, deixou a filmadora com bateria carregada, tudo certo, tudo bom, tudo pronto.

No caminho observava a roda rodando, tão simples, tão idiota e tão interessante. Os desenhos da roda ás vezes eram quebrados por lama ou folhas secas ou úmidas, já os das nuvens não eram quebrados, eram moldados, um coração virava um cachorro que virava uma planta ou um casal ou um coelho e este filme no céu fez com que descesse uma lagrima de seus olhos. Nunca havia reparado como o vento é um ótimo diretor e as nuvens ótimas atrizes, todas nuas, dançando e balançando ao som das árvores e batuque das águas. Aos poucos a cortina verde fecha o telão, a roda rodando com seus desenhos alucinógenos tenta acompanhar a pequena trilha, uma trilha sem desvios, havia agora apenas ida e a indesejável volta. Pedras na trilha não são problemas, ao contrário, ignorava-as como se nunca tivesse sido incomodado por uma pedra no caminho. A mata novamente se abre, ele se depara com uma árvore gigante, quase morrendo de velha, sentiu que ela precisava de calor, de carinho, de amor, fez mais uma de suas caridades e a abraçou por minutos infindos, não sabia como, achou estranho, mas se sentiu correspondido e acolhido com tamanha intensidade que chorou de alegria mais uma vez.

Um córrego corre como sangue nas veias da montanha e deságua no coração através de uma cachoeira imensa, cuja altura era incalculável e linda. Lá em baixo a água acariciava o solo e este agradecia com uma penugem verde e cantos de pássaros. Tudo era perfeito, o momento ainda era perfeito, perfeito de mais. Sonhava com este instante ha anos, esperava o dia certo a hora certa e o minuto certo. Parece que o minuto já estava chegando, então ligou a filmadora e ficou filmando tudo ao seu redor até que o minuto perfeito chegou juntamente com mais lágrimas. Posicionou a câmara rumo ao coração da mata, olhou pra lente, deu seu mais espontâneo, sincero e feliz sorriso, abriu os braços, respirou fundo por poucas e necessárias vezes, correu em direção ao coração, deu seu maior impulso, seu mais belo pulo e voou rumo a eternidade.

No ar, viu a pedra e o chão sumindo, dando lugar ao abismo infinito, o sorriso continuara em seu rosto, seu maior sonho havia se realizado, voar livremente. Nunca foi tão feliz nunca vivera tanto, sentiu cada segundo, parecia horas, meses, anos, séculos...

(((Não é uma linda morte?))).